(Qualquer semelhança entre este texto e a realidade é pura ficção…)
A CARAVELA DA ESPERANÇA
O anúncio do novo espaçoporto, erguido na antiga praça central do Freeport, era oficial. O Governo em peso secundava um Primeiro-ministro radiante que anunciava em directo a todos os órgãos de comunicação social, que Portugal entrava na era espacial.
– Portuguesas e portugueses, Portugal voltará a ser pioneiro nos descobrimentos. Pertenceremos ao grupo restrito de países com capacidade para enviar seres humanos ao espaço. Melhor ainda, com capacidade para enviar portugueses ao espaço. Aos Americanos chamaram-lhes astronautas, aos russos cosmonautas, aos portugueses chamaremos argonautas, em homenagem aos nossos grandes navegadores. – E assim continuou por mais meia hora até que o último canal ainda em directo cortou a transmissão para compromissos comerciais.
As reacções não se fizeram esperar. Qual TGV, qual aeroporto, o PM tinha acabado de tirar da cartola a saída para a crise ao apresentar a nova caravela da esperança. O projecto espacial português traria de volta o orgulho de ser Português, originando uma onda de esperança que traria mais trabalho às fábricas nacionais, e tiraria do desemprego muitos portugueses. No seguimento do discurso, todos os órgãos de comunicação social receberam um folheto promocional onde estava descrito em detalhe todo o projecto.
Fora também anunciado um programa inovador chamado novas oportunidades espaciais onde seria dada equivalência a uma licenciatura a todos os que fossem argonautas, bastando para isso estar inscrito nos centros de emprego e ter conseguido o 12º através do anterior programa de novas oportunidades.
Construída em tempo “record” com os apoios comunitários não recebidos pelo Ministério da Agricultura e Pescas, a primeira nave espacial portuguesa estava pronta e era uma réplica fiel de uma caravela quinhentista à qual fora adaptado um propulsor a gás natural de tecnologia lusa.
Joaquim Pereira era o chefe desta missão, ele que fora motorista da carris estava delirante com a possibilidade de voltar a trabalhar e obter a licenciatura através do programa “novas oportunidades espaciais”.
A Caravela da Esperança, como já era conhecida pelo povo, era controlada por um novo sistema operativo denominado Spacimplex instalado no Magalhães, que entretanto fora acoplado ao painel de instrumentos.
Placas de cortiça reforçada e um composto de cerâmica nacionais protegeriam a nave das radiações espaciais e do calor da reentrada na atmosfera. O combustível era inovador, a caravela utilizava velas solares que catalizavam a energia directamente do sol para um acumulador de calor, que por sua vez e sob pressão era libertado para uma câmara onde seria injectado gás de origem Líbia.
Um mês depois, e passada a euforia inicial, a noticia caiu que nem uma bomba. A utilização do Magalhães como computador de bordo obrigou a substituição de Joaquim Pereira por um anão. O minúsculo teclado do Magalhães impedia uma utilização normal devido aos dedos grossos do ex-motorista da carris. Joaquim Pereira passara assim a ser o primeiro licenciado espacial no desemprego. Os sindicatos e os partidos de esquerda insurgiram-se em manifestações de apoio ao ex-motorista espacial, e os trabalhos atrasavam-se a um ritmo cada vez maior de greves e boicotes.
Para piorar a situação, Marinha e Força Aérea mantinham um impasse desde os primeiros dias e lutavam agora juridicamente sobre a quem recaia a alçada do espaço e da caravela da esperança. Passados dois meses e diversas providências cautelares que impediam a caravela de descolar, a era espacial portuguesa caía no esquecimento.
A noticia sobre o fim da era espacial portuguesa saiu envergonhada no Diário da Republica. O governo tentava a todo o custo evitar mais uma chacota internacional. Marinha e Força Aérea iniciavam agora uma nova batalha jurídica sobre quem teria direito a ficar com o protótipo da caravela como cabeça de cartaz dos seus respectivos Museus. O anão passava a ser o 2º desempregado espacial não sem antes ter vendido o Magalhães na feira da ladra.
A esperança é a ultima a morrer.
Ricardo Afonso Moreno